Pa Kua e o estudo da Jian (espada chinesa)

Sérgio M. de Souza
6 min readApr 23, 2019

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Diferente do Dao (刀) que possui corte apenas de um lado, Jian (剑) é o nome dado a espada chinesa que possui uma lâmina com corte dos dois lados usada a mais de 2.500 anos na China.

Muitas pessoas quando pensam nas espadas chinesas, lembram das armas flexíveis nas escolas de artes marciais chinesas usadas principalmente para o estudo de formas, porém essa espada já foi utilizada em muitos campos de batalhas e teve um período em que era de lâmina rígida e robusta, sendo inclusive utilizada com duas mãos.

As primeiras Jians eram bem mais curtas do que as espadas que conhecemos hoje, elas são o resultado da melhoria das técnicas de forja que produziram adagas cada vez mais longas e seu tamanho foi crescendo medindo inicialmente de 28cm a 46cm. Conforme as técnicas de forja foram evoluindo, começaram a surgir versões de duas mãos com lâminas muito maiores que eram inicialmente feitas de bronze, até evoluirem às técnicas refinadas de forja utilizando ferro e aço.

Espada de bronze da dinastia Zhou Oriental, séculos V-III aC. (Museu Britânico, Londres)

Durante o período dos Estados Combatentes (501 A.C. — 350 A.C.) foi o período que a Jian começou a ser usada amplamente no campo de batalha, tem-se registro do uso desde o inicio do Período da Primavera e Outono (770 A.C. — 446 A.C.), ou até mesmo de antes desse período.

Os chineses eram mestres na forja da espada e na criação de ligas de metal. Uma das técnicas mais famosas e que possibilitou a criação de jians cada vez mais longas foi a utilização de dois ou mais metais com durezas diferentes como apresentado na imagem abaixo com o exemplo de jians feitas com duas ligas diferentes de bronze, sendo seu interior mais "macio" e o exterior com uma camada mais dura para receber o fio. Esse trabalho foi aperfeiçoado ao longo dos anos e continuou sendo aplicado mesmo quando as armas passaram a ser feitas de aço.

Durante a dinastia Qin (221 A.C. — 206 A.C.) a China aprimorou suas técnicas de forja e continuou a aperfeiçoar o sistema de usar ligas metálicas para a criação de espadas muito mais longas. No início o uso da arma acabava sendo mais voltadas para estocadas do que para cortes, aproveitando a ponta da espada que tendia a ser mais afiada. Alguns dizem que as técnicas eram derivadas do uso de lanças, que costumavam ser as armas mais utilizadas nos campos de batalha, além das alabardas.

Pagina retirada do manual Wubei Zhi (1621)

Durante a dinastia Han (206 A.C. — 220 D.C.) os chineses aprimoraram ainda mais as técnicas de forja iniciando-se o uso da dobra do metal (Bai-Lian Steel), fazendo espadas muito mais duradouras, leves e afiadas. Foi também durante esse período que as Jians começaram a cair em desuso nos campos de batalha, abrindo assim espaço para os daos (sabres) que se adequavam melhor ao uso da cavalaria, além de serem mais fáceis para se produzir e aprender o manejo. Apesar disso a Jian continuou como a arma símbolo dos militares de alta patente, que eram decoradas representando o status daquela pessoa. Alguns oficiais e imperadores foram inclusive enterrados com suas armas.

Abaixo há cinco Jians da dinastia Han, todas possuindo lâminas longas e a maioria feita para ser utilizada com duas mãos, sendo a maior medindo 146cm. Essas espadas se encontram hoje no Museum of the Mausoleum of the Nanyue King, Guangzhou, China.

Espadas da dinastia Han

Uma das espadas chinesas mais místicas e lendárias é a Jian de Goujian, datada da era das Primaveras e Outonos (771 A.C. a 403 A.C.) descoberta em 1965, na província de Hubei, na China. Dizem que essa espada foi encontrada intacta e até mesmo ainda afiada apesar de ter mais de 2.000 anos de idade. Atualmente, tal arma pode ser encontrada no Hubei Provincial Museum.

Espada de Goujian

Ao longo dos anos as Jians foram se especializando e deixando de ser usadas somente nos campos de batalha para uma espada mais versátil e voltada para o duelo. A versão mais moderna tendo a lâmina dividida em três sessões, é leve o suficiente para ser utilizada com apenas uma mão. O estilo de luta também evoluiu junto com a arma, com técnicas cada vez mais refinadas e circulares.

A Jian com a lâmina dividida em três sessões possui o terço superior (jiànfeng) extremamente fino e afiado, e nunca é usado para bloqueio porque pode ser entalhado com muita facilidade. Logo, essa porção da arma é usada apenas para o ataque. O terço médio da lâmina (zhongren) é mais espesso e menos afiado que o terço superior, e é usada para deslizar, guiar, desviar e cortar. O terço inferior da lâmina (jiàngen) é o mais robusto dos três e muitas vezes não é afiado, sendo geralmente usado para situações em que é necessário um bloqueio mais firme.

Além dessa versão com a lâmina progressiva em três sessões, é normal encontrar Jians com a lâmina totalmente flexível. Essas jian são utilizadas para o treino de formas e exercícios de movimentação sem contato, onde normalmente estão associadas à prática de Tai Chi Chuan e outras práticas meditativas.

Estudo da Jian na Liga Internacional de Pa Kua

No Pa-kua aprendemos duas facetas da Jian, tanto com técnicas para duelo, tais como movimentos de ataques e defesas com posturas características da espada para treinos de combate, quanto o estudo da forma da escola e movimentações circulares características de Pa-kua. Dentro dos estudos feitos na Liga Internacional utilizamos a Jian principalmente de uma mão com a lâmina progressivamente rígida em três sessões, conforme descrito anteriormente no texto.

Fontes e material para estudo

Video baseado nesse texto

O link abaixo traz um paralelo bem interessante sobre técnicas chinesas e europeias de espada.

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Sérgio M. de Souza
Sérgio M. de Souza

Written by Sérgio M. de Souza

Praticante e professor na Liga internacional de Pa Kua

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